sexta-feira, 8 de abril de 2011

Capitu virou circo


Confesso que quase sempre discordo das crônicas escritas por Diogo Mainardi na revista Veja. Embora todas me façam pensar e formar opiniões sobre os assuntos abordados.

Mas se existe transmissão de pensamento essa aconteceu nesse domingo.
Ao ler o texto “E Machado virou circo…” senti um alivio na alma. Diogo expressou em cada palavra o que eu gostaria de ter dito aos quatro cantos ao assistir a minissérie Capitu da Rede Globo. 

Conseguiram avacalhar a obra de Machado de Assis!!!

E já que transformaram a série Capitu em um circo Hi-tech, eu vou dar uma de Raul Gil e tirar o chapéu para o Diogo Mainardi.

De bom mesmo na minissérie da Globo só a trilha sonora com Elephant Gun (Beirut) e o rock de qualidade dos Sex Pistols com God Save the Queen ao vivo!
Para quem não leu, segue abaixo o texto do Diogo Mainardi publicado ontem na revista Veja:

E Machado virou circo…
Diogo Mainardi

“A série Capitu tem um aspecto circense. É Machado de Assis encenado por Orlando Orfei. É Bentinho imitando Arrelia no picadeiro de Fausto Silva: ‘Como vai, como vai, vai, vai? Eu vou bem, muito bem, bem, bem’”
Machado de Assis é Bentinho. Nós somos Capitu. A analogia é simples: nós abastardamos a obra de Machado de Assis. No centenário da morte do escritor, Dom Casmurro e seus outros romances perderam qualquer sinal de paternidade machadiana. Eles parecem gerados por Escobar, o amante de Capitu.
Luiz Fernando Carvalho, diretor da série televisiva Capitu, é o mais perfeito Escobar que surgiu até agora. Seu “Dom Casmurro” tem o nariz de Luiz Fernando Carvalho, tem o sorriso de Luiz Fernando Carvalho, tem a mentalidade de Luiz Fernando Carvalho. Nada nele recorda o “Dom Casmurro” de Machado de Assis, apesar de reproduzir diálogos do romance. Na série, Bentinho aparece estranhamente caracterizado como Dick Vigarista, do desenho animado Corrida Maluca: nas roupas, no bigode, na magreza, no temperamento e, acima de tudo, na canastrice do ator que desempenha seu papel. Qual é o melhor candidato a Muttley? O agregado José Dias.
A série Capitu tem um aspecto circense. É Machado de Assis encenado por Orlando Orfei. É Bentinho imitando Arrelia no picadeiro de Fausto Silva: “Como vai, como vai, vai, vai? Eu vou bem, muito bem, bem, bem”. Luiz Fernando Carvalho usa uma linguagem grotesca, afetada, espalhafatosa, cheia de contorcionismos e de malabarismos. Machado de Assis é o oposto. No livro Dom Casmurro, o relato de Bentinho é espantosamente seco e desencantado. Ele narra sua história apenas para combater o tédio: sem drama, sem sentimentalismo, sem teatralidade. Quando Bentinho descobre que o filho bastardo de Capitu com Escobar morreu de febre tifóide, ele comenta simplesmente: “Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro”.
Luiz Fernando Carvalho só foi autenticamente machadiano na metalinguagem. A atriz que interpreta Capitu está grávida de sete meses. Quando um repórter lhe perguntou se o pai do menino era Luiz Fernando Carvalho – o Escobar de Jacarepaguá –, ela se recusou a responder, limitando-se a declarar, como uma Capitu do funcionalismo público: “Não vou dizer a identidade e o CPF dele”.
A literatura brasileira tem um escritor. Um só. O que fizemos com ele, nos últimos cinqüenta anos, foi traí-lo com todos os Escobar que apareceram. Desde que Helen Caldwell, em 1960, negou o adultério de Capitu, moldando Dom Casmurro às suas teorias feministas, Machado de Assis foi raptado pela crítica esquerdista. Em particular, por John Gledson e Roberto Schwarz, que o transformaram ridiculamente num agente da luta de classes, empenhado em denunciar os abusos da classe dominante. Na realidade, Machado de Assis é mais complicado do que isso. Ele é um satirista conformista e resignado, que zomba da mesquinhez de nossa sociedade e acredita que, quando ela muda, muda sempre para pior. A série Capitu festeja o abastardamento da obra machadiana. Machado de Assis sabe bem: de agora em diante, isso só pode piorar.
Valeu! 



Juliano Romão
Twitter: @julianoromao
Facebook.com/juliano.romao


(Post publicado em 15/12/2008 às 13:12hs em meu antigo Blog no IG)

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